terça-feira, 18 de novembro de 2014

Pensamento ocidental x pensamento oriental


     É difícil para um ser humano lidar com ideias diferentes das suas. Mesmo dentro de uma mesma cultura há diferentes manifestações, como no caso do Cristianismo, dividido em várias vertentes desde seu surgimento. Quando se trata, então, de culturas muito diferentes o problema da compreensão e tolerância se torna ainda maior. É o caso do pensamento “ocidental” versus o pensamento “oriental”, dois conceitos que em si já são de difícil definição, pois existem dentro do ocidente, assim como entre os países do oriente, grandes diferenças culturais, como bem destacou o prof. Mário Sproviero em seu artigo “Oriente e Ocidente: Demarcação”. Principalmente da parte dos ocidentais, há uma falta de informação (e muitas vezes falta de vontade de se obter a informação) sobre os hábitos e costumes dos “povos distantes”, gerando algumas distorções e erros de interpretação. A lógica do pensamento de um ocidental e de um oriental é, em geral, bem diferente, e qualquer um que se proponha a estudar uma cultura deve começar entendendo como um determinado povo pensa. A série “O Ocidente e o Oriente” mostra o excelente trabalho desenvolvido por pesquisadores de vários países sobre o tema, e passarei a resumir os vídeos no próximo parágrafo, destacando as ideias principais.
      Para os orientais tudo no universo é constituído e permeado por uma energia chamada de “Chi” na China, mas que assume outros nomes em países distintos (“Ki”, no Japão, por exemplo). Para eles, os eventos tem sempre relação com tudo o que está ao seu redor, o externo em relação ao interno. Esse pensamento difere do pensamento clássico ocidental, que geralmente dá valor ao interno, ao individual. Através de imagens e perguntas simples os pesquisadores do documentário demonstraram como a maioria dos ocidentais, em um julgamento, se atém mais às formas enquanto os orientais se preocupam mais com a substância. A influência mútua de tudo sobre tudo é explicada pela chamada Rede de Indra, conceito hinduísta/budista que afirma que tudo está interligado na natureza. A Rede de Indra seria uma teia infinita com várias joias penduradas nos vértices da mesma. A ação de um ser humano, de um animal, nunca é um ato isolado: sofre influência energética de tudo ao seu redor. Desta forma, por exemplo, seria impossível estar em paz em um local onde todos estão nervosos. Uma “joia” na Rede de Indra reflete a outra, ou seja, a raiva dos outros “refletiriam” no indivíduo supostamente em paz. As diferenças de pensamento entre estas duas regiões do mundo se explicam em grande parte através da filosofia/religião adotada por cada uma. A tradição judaico-cristã, predominante no ocidente, entende que as ações humanas definem suas atitudes de forma individual. Ou seja, um ser humano é totalmente responsável por seus atos, que definirão, em última instância, se ele é uma boa pessoa ou uma má pessoa (e para onde sua alma irá quando sua existência se extinguir). Essa dicotomia bom vs mau está arraigada no subconsciente do ocidental. No oriente, é comum uma outra abordagem, que tem como base o conceito do Yin/Yang, o equilíbrio entre a energia negativa e positiva, presente em tudo e em todos. Segundo esta lógica, não há como eliminar a energia negativa. Isso causaria um desequilíbrio, visto que sem o mau não existiria o bem e vice-versa. Então, seria necessário manter o equilíbrio entre as duas forças para se viver bem. A série de pesquisas desenvolvidas pelos pesquisadores no documentário demonstraram de forma prática estas diferenças. As respostas diferentes às mesmas questões deixaram claro as diferentes abordagens entre as duas formas de se pensar o mundo.
      Quando os europeus começaram o processo de colonização na Ásia, se depararam com culturas muito complexas e diferentes das que estavam habituados. Segundo a ideia de Edward Said, (exposta no texto de Matheus Blach, disponível na plataforma), escritor cuja obra tem grande influência na discussão sobre a questão da dicotomia Ocidente/Oriente, no intuito de fortalecer o pensamento ocidental frente ao oriental e legitimar a superioridade filosófica e moral dos conquistadores, surgiu uma visão deturpada do que seria o Oriente, que ficou conhecida como “Orientalismo”, uma visão ocidental pejorativa e preconceituosa do oriente. Segundo Said, o europeu classificava o oriente como um local pitoresco, exótico, numa forma de exaltar sua própria cultura, a elevando a um patamar superior. Essa visão do oriente, que teve origem já nos primeiros contatos entre as civilizações, permanece viva na cultura ocidental, inclusive na Academia. O prof. Helder Macedo em seu artigo “Oriente, Ocidente e Ocidentalização: discutindo conceitos”, escreveu o seguinte: “(...)podemos afirmar que o discurso orientalista deu fundamento e justificação para as estratégias de colonização imperialista inglesa e francesa durante o século XIX”. A superioridade tecnológica, as instituições bem delimitadas e o Capitalismo já bem desenvolvido após a Reforma Protestante eram a base da justificativa da superioridade material e cultural. Segundo este autor, o atentado de 2001 ao World Trade Center, nos Estados Unidos, gerou um discurso que ajudou a propagar com mais veemência a imagem do oriente retrógrado e cheio de fundamentalistas e terroristas, dificultando ainda mais um olhar isento por parte dos ocidentais sobre o oriente.
Na visão dos três autores citados ao longo do texto, o “Ocidente” e o “Oriente” são visões muito mais culturais do que geográficas, e foram construídas ao longo do tempo carregadas com idealismos e preconceitos, na maioria das vezes utilizadas para fins políticos. É necessária uma visão isenta, de preferência baseada em trabalhos como o desenvolvido pelos pesquisadores do documentário “O Ocidente e o Oriente”, para que se estude a História dos povos orientais sendo um morador de um país ocidental. É uma missão difícil, de fato. O prof. Macedo citou em seu artigo trabalhos em que os autores (nascidos no Ocidente) sugerem que a saída para alguns países orientais deixarem de ser “atrasados” seria uma “ocidentalização”, a adoção da cultura ocidental e seus procedimentos, ou seja, a “ocidentalização” seria um remédio para os males orientais.
      Resumindo as ideias dos autores: 1. A ideia de Ocidente e Oriente é uma construção mais cultural do que geográfica; 2. O Orientalismo é uma construção ocidental que enxerga o oriente de forma deturpada, pejorativa; 3. Os conceitos do Orientalismo foram utilizados ao longo dos anos como justificativa para ações imperialistas por parte de países europeus e mais tarde pelos Estados Unidos; 4. Está em processo um fenômeno chamado de ocidentalização, que visa homogeneizar a cultura do planeta tendo como base o Ocidente.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

A Pesquisa na “Era da Informação”



A partir de hoje, passo a publicar uma série de trabalhos que já foram avaliados pelos professores da universidade. Neste aqui, o tema é "pesquisa histórica" e foi tema de uma Avaliação no curso de Licenciatura em História, segundo semestre, matéria "Teoria da História".


A rede mundial de computadores, internet, introduziu um novo meio de pesquisa. Desde que surgiu até hoje, sofreu vários aperfeiçoamentos e é um dos principais meios de se obter informações, sejam notícias, busca documental, procura em base de dados entre outras possibilidades. Estaríamos presenciando a obsolescência das fontes não digitais? Até que ponto a revolução tecnológica está sendo benéfica aos pesquisadores? Esta é uma análise dos textos de dois historiadores, sejam eles Carlo Ginzburg, em dois vídeos, e Robert Darnton na resenha “Cinco mitos na idade da informação”.
Os dois autores concordam que não é a primeira ocasião que o mundo presencia uma “Era da Informação”. O surgimento da imprensa, por exemplo, teria surtido um efeito semelhante no mundo muito antes dos computadores existirem. A novidade da internet, no que tange à pesquisa, não seria o conceito, os enciclopedistas tiveram idéia semelhante, mas sim a tecnologia utilizada. A leitura fragmentária, outra preocupação dos dois autores, realizada em blogs e outras mídias sociais nos dias de hoje, também já seria utilizada anteriormente por juristas e homens públicos, desde a antiguidade, que utilizavam partes de textos para realizar interpretações por vezes descontextualizadas com propósitos diversos. Para Ginzburg, esta leitura seria superficial e prejudicial. Somente uma educação prévia e uma leitura “lenta e profunda” levaria a uma boa utilização dos textos. Darnton não é tão pessimista em relação à leitura fragmentária, defendendo que a mesma pode ser benéfica caso seja aliada a um bom entendimento. Ginzburg enxerga a internet como instrumento “potencialmente” democrático, que atualmente se encontra disponível apenas para alguns privilegiados. Darnton não tece considerações diretas a esse respeito.
Ponto pacífico entre os dois textos é que a pesquisa na internet pode gerar problemas de interpretação. Com muita informação disponível, nem todas confiáveis, o leitor pode chegar a conclusões que não correspondem aos fatos, "interpretando interpretações" já equivocadas. Na internet, qualquer um pode escrever ou falar qualquer coisa. Não é mais necessário para se colocar um livro on-line passar pelo crivo de um editor, por exemplo. É uma facilidade e tem seus benefícios, mas traz riscos a quem pesquisa. Há, então, na internet, “jóias misturadas ao lixo” como observou Ginzburg. Ainda nas palavras de Ginzburg em sua palestra: “O Google é, ao mesmo tempo, um poderoso instrumento de pesquisa histórica e um poderoso instrumento de cancelamento da História, pois no presente eletrônico, o passado se dissolve”. Darnton, logo no início de seu texto, alerta: “(...) ao tentarmos nos orientar no ciberespaço, frequentemente apreendemos coisas de forma errada e esses equívocos se disseminam tão rapidamente que são incorrigíveis”.
Darnton nos mostra que muitos mitos surgidos sobre a chamada “Era da informação” são inverídicos. Entre estes falsos mitos dois se destacam: o livro impresso não está em decadência. Pelo contrário, a edição de livros nesse formato vem crescendo a cada ano; nem toda informação está disponível on-line e, consequentemente, ainda devemos consultar bibliotecas. Ou seja, por mais maravilhosos que possam ser os mecanismos de busca na internet, e sem dúvida facilitaram muito a pesquisa, como o Google, citado por Ginzburg, eles ainda estão longe de abarcar todo o conhecimento textual disponível.
O mito do “futuro digital” também é contestado. Darnton crê que uma nova mídia não destrói necessariamente a anterior, e cita como exemplo que a televisão não acabou com o rádio e que a internet não acabou com a televisão. No ponto de vista de Ginzburg, as fontes digitais não devem concorrer com as fontes físicas, mas sim complementa-las.
Da análise dos dois textos podemos chegar às seguintes conclusões: a internet trouxe novos meios de se pesquisar a História. Facilitou, também, a publicação de artigos, revistas e resenhas, que se encontram aos montes na rede. Diversos projetos atualmente estão empenhados em digitalizar fontes históricas e já é possível acessar documentos importantes sem sair de casa. Como nem todas as fontes estão em formato digital, a pesquisa em arquivos, museus e bibliotecas ainda são necessárias, e talvez nunca deixem de ser, visto que algumas fontes requerem um exame físico, como estátuas, jarros, utensílios e outros objetos que só fazem sentidos se observados in loco, mesmo que possamos vê-las por meio de fotografias (digitais?).
Com a maior facilidade de publicação surge também o problema da qualidade, isto é, deve-se estar atento para as informações irrelevantes, que são muitas, disponíveis on-line. Devemos lembrar que qualquer um pode escrever qualquer coisa, e avaliar o quanto de crédito cada informação merece.
Como no caso exposto por Ginzburg na segunda parte de sua palestra, a descontextualização e a livre interpretação podem induzir quem está pesquisando a uma conclusão equivocada. E há quem se interesse até por essas interpretações errôneas, seja por que se tornam mais atraentes seja por que se tornem mais convenientes.
Por fim, não devemos temer a “era da informação” e sim nos adaptarmos e tomarmos os devidos cuidados ao lidarmos com uma tecnologia extremamente inclusiva. A História é uma grande beneficiária da internet, mesmo com todos os problemas que estão presentes na rede.


domingo, 9 de março de 2014

Os Assírios e a Guerra


O Império Neo Assírio (731-626 a.C.) surgiu quase que exclusivamente por meio do uso do aparato militar. Lutando sob ordem do deus Assur (que também era o nome da principal cidade do império), que nos escritos sagrados ordenou a expansão do império, os reis assírios estenderam seus domínios à base de muita violência. Foi o primeiro grande império que a humanidade presenciou.
A prática de guerra mais identificada com os Assírios (apesar de não serem o único povo da época a praticar o ato) era a decapitação, o corte da cabeça de seus adversários, para fins "estatísticos". A prática ficou conhecida principalmente na época do rei Assurbanipal, "O cortador de cabeças", como ficou conhecido. O avanço do exército não era coordenado e o combate era decidido de luta em luta, o que era comum no período (a situação só mudaria com a criação da organizada falange grega). Cavaleiros montados, carros de combate (carroças de duas rodas puxadas por um par de cavalos) e arqueiros eram as principais armas de combate, como indica a iconografia. Apesar de não utilizarem estribo para se sustentarem em seus cavalos, os arqueiros assírios disparavam flechas a partir de suas montarias. Era um assalto total, todos os meios de combate eram empregados quase que simultaneamente contra a cidade a ser conquistada. 
A vestimenta assíria para o combate era composta de um capacete e de uma cota de couro ou de escamas de ferro para os mais abastados além de sandálias. A infantaria comum lutava com sua vestimenta normal, sem muita proteção adicional e portando uma lança curta. era comum também a utilização de escudos de couro para a defesa individual e uma espécie de domo contra flechas que era retangular e maior que o próprio soldado.
Após a conquista da cidade e da decapitação dos insubmissos, os assírios passavam a cobrar impostos em víveres e em trabalho. Não destituiam o culto às divindades locais, mas exigiam o reconhecimento de Assur como deus superior. 
Um dos maiores combates empreendidos pelos assírios foi realizado já no período final do império, pelo rei Assurbanipal contra o povo do Elam, região no sul do atual Irã. Essa vitória mereceu um enorme mural no palácio real assírio. O rei do Elam, Teumman, foi decapitado e sua cabeça levada por um soldado até Assurbanipal.  
Toda a arte assíria remete à guerra e a conquista militar. Mantiveram seu império desta maneira, levando medo e terror aos locais dominados. Os babilônios formaram uma coalizão contra o domínio assírio que derrubou seu império em 626 a.C. O império assírio já não conseguia gerir um império tão grande. Faltavam-lhes, sobretudo, habilidade política, além de estarem debilitados após o esforço de guerra contra o Elam.

Fontes:
CLINE, Eric H. Impérios Antigos: da Mesopotâmia à origem do Islã, São Paulo: Madras, 2012;

BELTRÃO, Claudia  História Antiga. Volume 1/ Cláudia Beltrão, Jorge Davidson - Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2011;

POZZER, Katia Maria Paim. A comemoração da Vitória: o banquete triunfal assírio, Anais do XXVI simpósio Nacional de História - ANPUH, São Paulo, 2012.