É difícil para um ser humano lidar com ideias
diferentes das suas. Mesmo dentro de uma mesma cultura há diferentes
manifestações, como no caso do Cristianismo, dividido em várias
vertentes desde seu surgimento. Quando se trata, então, de culturas
muito diferentes o problema da compreensão e tolerância se torna
ainda maior. É o caso do pensamento “ocidental” versus o
pensamento “oriental”, dois conceitos que em si já são de
difícil definição, pois existem dentro do ocidente, assim como
entre os países do oriente, grandes diferenças culturais, como bem
destacou o prof. Mário Sproviero em seu artigo “Oriente e
Ocidente: Demarcação”. Principalmente da parte dos ocidentais, há
uma falta de informação (e muitas vezes falta de vontade de se
obter a informação) sobre os hábitos e costumes dos “povos
distantes”, gerando algumas distorções e erros de interpretação.
A lógica do pensamento de um ocidental e de um oriental é, em
geral, bem diferente, e qualquer um que se proponha a estudar uma
cultura deve começar entendendo como um determinado povo pensa. A
série “O Ocidente e o Oriente” mostra o excelente trabalho
desenvolvido por pesquisadores de vários países sobre o tema, e
passarei a resumir os vídeos no próximo parágrafo, destacando as
ideias principais.
Para os orientais tudo no universo é constituído e
permeado por uma energia chamada de “Chi” na China, mas que
assume outros nomes em países distintos (“Ki”, no Japão, por
exemplo). Para eles, os eventos tem sempre relação com tudo o que
está ao seu redor, o externo em relação ao interno. Esse
pensamento difere do pensamento clássico ocidental, que geralmente
dá valor ao interno, ao individual. Através de imagens e perguntas
simples os pesquisadores do documentário demonstraram como a maioria
dos ocidentais, em um julgamento, se atém mais às formas enquanto
os orientais se preocupam mais com a substância. A influência mútua
de tudo sobre tudo é explicada pela chamada Rede de Indra, conceito
hinduísta/budista que afirma que tudo está interligado na natureza.
A Rede de Indra seria uma teia infinita com várias joias penduradas
nos vértices da mesma. A ação de um ser humano, de um animal,
nunca é um ato isolado: sofre influência energética de tudo ao seu
redor. Desta forma, por exemplo, seria impossível estar em paz em um
local onde todos estão nervosos. Uma “joia” na Rede de Indra
reflete a outra, ou seja, a raiva dos outros “refletiriam” no
indivíduo supostamente em paz. As diferenças de pensamento entre
estas duas regiões do mundo se explicam em grande parte através da
filosofia/religião adotada por cada uma. A tradição
judaico-cristã, predominante no ocidente, entende que as ações
humanas definem suas atitudes de forma individual. Ou seja, um ser
humano é totalmente responsável por seus atos, que definirão, em
última instância, se ele é uma boa pessoa ou uma má pessoa (e
para onde sua alma irá quando sua existência se extinguir). Essa
dicotomia bom vs mau está arraigada no subconsciente do ocidental.
No oriente, é comum uma outra abordagem, que tem como base o
conceito do Yin/Yang, o equilíbrio entre a energia negativa e
positiva, presente em tudo e em todos. Segundo esta lógica, não há
como eliminar a energia negativa. Isso causaria um desequilíbrio,
visto que sem o mau não existiria o bem e vice-versa. Então, seria
necessário manter o equilíbrio entre as duas forças para se viver
bem. A série de pesquisas desenvolvidas pelos pesquisadores no
documentário demonstraram de forma prática estas diferenças. As
respostas diferentes às mesmas questões deixaram claro as
diferentes abordagens entre as duas formas de se pensar o mundo.
Quando os europeus começaram o processo de colonização
na Ásia, se depararam com culturas muito complexas e diferentes das
que estavam habituados. Segundo a ideia de Edward Said, (exposta no
texto de Matheus Blach, disponível na plataforma), escritor cuja
obra tem grande influência na discussão sobre a questão da
dicotomia Ocidente/Oriente, no intuito de fortalecer o pensamento
ocidental frente ao oriental e legitimar a superioridade filosófica
e moral dos conquistadores, surgiu uma visão deturpada do que seria
o Oriente, que ficou conhecida como “Orientalismo”, uma visão
ocidental pejorativa e preconceituosa do oriente. Segundo Said, o
europeu classificava o oriente como um local pitoresco, exótico,
numa forma de exaltar sua própria cultura, a elevando a um patamar
superior. Essa visão do oriente, que teve origem já nos primeiros
contatos entre as civilizações, permanece viva na cultura
ocidental, inclusive na Academia. O prof. Helder Macedo em seu artigo
“Oriente, Ocidente e Ocidentalização: discutindo conceitos”,
escreveu o seguinte: “(...)podemos afirmar que o discurso
orientalista deu fundamento e justificação para as estratégias de
colonização imperialista inglesa e francesa durante o século XIX”.
A superioridade tecnológica, as
instituições bem delimitadas e o Capitalismo já bem desenvolvido
após a Reforma Protestante eram a base da justificativa da
superioridade material e cultural. Segundo
este autor, o atentado de 2001 ao World Trade Center, nos
Estados Unidos, gerou um discurso que ajudou a propagar com mais
veemência a imagem do oriente retrógrado e cheio de
fundamentalistas e terroristas, dificultando ainda mais um olhar
isento por parte dos ocidentais sobre o oriente.
Na
visão dos três autores citados ao longo do texto, o “Ocidente”
e o “Oriente” são visões muito mais culturais do que
geográficas, e foram construídas ao longo do tempo carregadas com
idealismos e preconceitos, na maioria das vezes utilizadas para fins
políticos. É necessária
uma visão isenta, de preferência baseada em trabalhos como o
desenvolvido pelos pesquisadores do documentário “O Ocidente e o
Oriente”, para que se estude a História dos povos orientais sendo
um morador de um país ocidental. É uma missão difícil, de fato. O
prof. Macedo citou em seu artigo trabalhos em que os autores
(nascidos no Ocidente) sugerem que a saída para alguns países
orientais deixarem de ser “atrasados” seria uma
“ocidentalização”, a adoção da cultura ocidental e seus
procedimentos, ou seja, a
“ocidentalização” seria um remédio para os males orientais.
Resumindo as ideias dos autores: 1. A ideia de Ocidente
e Oriente é uma construção mais cultural do que geográfica; 2. O
Orientalismo é uma construção ocidental que enxerga o oriente de
forma deturpada, pejorativa; 3. Os conceitos do Orientalismo foram
utilizados ao longo dos anos como justificativa para ações
imperialistas por parte de países europeus e mais tarde pelos
Estados Unidos; 4. Está em processo um fenômeno chamado de
ocidentalização, que visa homogeneizar a cultura do planeta tendo
como base o Ocidente.